Em Goiás, é histórica a não efetivação da doação de órgãos por parte de potenciais doadores identificados pela Central de Transplantes. Segundo as estatísticas do Registro Brasileiro de Transplantes (RBTO), esse índice aumentou consideravelmente no primeiro semestre deste ano, em comparação com o mesmo período do ano passado, e também quando se analisa a situação há uma década.
De acordo com o RBTO, de janeiro a junho de 2014, dos 140 potenciais doadores notificados em Goiás - ou seja, com morte encefálica verificada por equipes médicas locais -, 132 (94%) acabaram como não doadores e apenas 8 tiveram, efetivamente, órgãos transplantados em outros pacientes que aguardavam na fila de espera. Em 2013, no mesmo periodo, os potenciais doadores identificados somaram 106, dos quais 94 (89%) acabaram como não doadores, 12 foram doadores efetivos e 7 tiveram órgãos transplantados. Em 2005, de janeiro a dezembro, o Estado apresentou 193 potenciais doadores; 169 não doadores (87,6%); 24 doadores efetivos; e 19 doadores em que houve a remoção de múltiplos órgãos.
Em dez anos, o Estado figura sempre entre as cinco Unidades da Federação que apresentam os porcentuais mais altos de não doadores, mesmo diante da intensificação das campanhas de conscientização e esclarecimento sobre o assunto desde 1997, quando foi sancionada, em nível federal, a Lei 9.434, referente ao tema.
“Não há dúvida de que, aqui, ainda não há uma cultura para a doação de órgãos”, reconhece o médico Luciano Leão, gerente da Central de Transplantes de Goiás. “Nenhuma ação em saúde depende tanto da colaboração da sociedade, do gesto cristão das pessoas, quanto a doação de órgãos. Se não tivermos doações, não teremos transplantes, e, consequentemente, muita gente vai continuar morrendo na fila de espera”, acrescenta, destacando que, ao final de agosto passado, 1,2 mil pacientes cadastrados pela Central aguardavam pela doação de um órgão, no Estado, a maioria necessitada de uma córnea (850) ou de um rim (300).
No caso do rim - assim como medula óssea, pâncreas, fígado e pulmão -, existe a possibilidade de que se realize o transplante do órgão com doador vivo; necessariamente, não é preciso esperar pela morte encefálica comprovada de um doador. Entretanto, a legislação brasileira permite a doação desses órgãos apenas entre parentes até quarto grau, que sejam compatíveis com o receptor e estejam dispostos a fazer a doação. Além desse grau de parentesco, o transplante só é realizado mediante autorização judicial.
Essa situação foi experimentada pelo representante comercial Marcos José Ferreira, de 52 anos, que encontrou em um então mero conhecido a chance que precisava para sobreviver. “Não tenho e não terei nunca como pagar o que ele fez por mim. Eu não estaria mais aqui, hoje, se não fosse o Valderir”, declara Marcos, emocionado, referindo-se ao pedreiro Valderir Nunes Filho do Nascimento, de 43 anos, que doou-lhe um rim no ano passado.
De acordo com o médico Luciano Leão, não bastasse o alto índice de recusa de doação de órgãos entre os goianos, nas situações em que há a possibilidade de efetivá-la nem sempre isso é possível, em função de uma série de intercorrências - como paradas cardíacas - e critérios estabelecidos, por lei, para a realização do transplante. Segundo ele, uma série de exames clínicos a serem realizados após o diagnóstico de morte encefálica - no caso de doadores cadáveres - podem apontar para a contra-indicação e outros obstáculos de ordem médica.
É o caso, por exemplo, de pacientes com quadro séptico, provocado por infecções virais ou bacterianas graves; portadores de HIV ou Hepatite C; e falecimento do possível doador em decorrência de algum tipo de câncer ou por causa desconhecida, entre outros. “Quando o paciente se torna um potencial doador, inicia-se toda a investigação necessária para o transplante, o que nem sempre termina com resultados positivos”, frisa Leão.
No que diz respeito à resistência e negativa da família à doação de órgãos - que ele estima ocorrer em 70% dos casos -, o gerente da Central de Transplantes relata alguns dos motivos: “A morte ainda é um assunto considerado tabu; as pessoas preferem não pensar que vão morrer um dia. Nesse sentido, não conversam entre si, com relação ao desejo de doar. As famílias, então, em geral, se negam, alegando desconhecerem ser esta a vontade do familiar. Raramente vemos o contrário”, atesta.
Fonte: O Popular