27/08/2014 - Infância na violência
Na sala de casa, André (nome fictício) brinca com um carrinho, bem perto do desenho de um revólver que ele fez na parede. A história do menino, envolvido com roubo, furto e traficantes de drogas em Goiânia, ganhou repercussão há dois dias, a partir de uma reportagem do POPULAR. Na última quint-feira, ele teria sido flagrado roubando um celular de um passageiro de ônibus. André estaria com uma faca. O problema é, apesar da gravidade do caso, a Prefeitura de Goiânia, o governo estadual, o Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) e o Judiciário estadual ainda não fizeram nada para apoiar a família e proteger a vida da criança, que está jurada de morte.
Em meio à omissão do poder público, relatada pelo presidente do Conselho Tutelar da Região Campinas, Dácio Anacleto Oliveira, que acompanha o caso, o menino continua fugindo de casa durante o dia e, geralmente, só volta de madrugada. A janela do quarto dele está com a grade arrebentada e, acima dela, ele desenhou o horário 4:20, um código de referência ao consumo de maconha. O menino espalhou o símbolo por quase toda a casa. “Vi o tio que tem droga (traficante) desenhar e aprendi”, disse ele, enquanto andava de um lado para o outro dentro da residência.
Apesar de a Constituição prever que crianças e adolescentes devem ser tratados como prioridade absoluta, o menino segue sem o amparo da Prefeitura e do governo de Goiás. “Ninguém veio aqui até hoje, nem para saber como está a nossa situação e se tem alguma saída”, reclamou a mãe do garoto. “A mãe também foi omissa em algum momento, mas o principal problema é a falta de políticas públicas. Veja a situação deste setor, por exemplo”, apontou o conselheiro tutelar Omar Borges.
Na porta da casa de André, no Jardim do Cerrado 1, na Região Oeste de Goiânia, uma área onde deveria ser construída uma praça está tomada pelo mato e lixo, sem contar que a região é uma das mais prejudicadas pela falta de estrutura. O bairro, que fica a cerca de 20 quilômetros do Centro de Goiânia, fica no meio do nada. Uma igreja dá as boas-vindas a quem chega ali. Mas só isso. “Quero sair, não vou ficar aqui. Tem nada para fazer”, disse o menino, descalço e com os pés marcados pela poeira do chão batido que toma conta do setor.
O conselheiro Dácio reclama da falta de apoio. “O MP já deveria ter entrado neste caso, principalmente porque envolve criança”, destacou ele. A repercussão do caso André na imprensa não significa, necessariamente, que o MP deve agir de ofício, segundo a promotora de Justiça Karina D’Abruzzo, coordenadora da área da Infância e Juventude do órgão. Segundo ela, nenhum promotor acompanha o caso. “Não identifiquei nenhum procedimento no MP”, disse. O conselho tutelar vai enviar hoje um relatório sobre o caso ao órgão ministerial e antecipou que vai acionar a Corregedoria-Geral de Justiça do Estado e até o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), caso haja omissão do Juizado da Infância e Juventude de Goiânia, que não se pronunciou.
Entrevista
“Perdi o controle total do meu filho”
27 de agosto de 2014 (quarta-feira)
Cristina Cabral
Mãe de André: “A história dele pode mudar”
O caso de André (nome fictício) impõe à mãe dele um sentimento de impotência e certa indiferença para lidar com o problema. Apesar de acreditar na superação do filho, ela sorriu, ao citar que o filho mandou roubar a própria casa.
Como é ter um filho, criança, envolvido com a criminalidade?
(Silêncio) A gente não queria isso, mas já tentei ajuda e não consegui.
Onde a senhora conheceu o pai do seu filho, que foi morto pouco depois de o menino nascer?
Na escola, onde estudei até a oitava série.
Se ele tivesse pai, a situação seria outra?
Sim, acho que sim.
A senhora vê seu filho fugir de casa?
Às vezes, ele está aqui. Dá a louca nele, pula o muro e sai. Não dou conta de segurar. Ele começou a dar trabalho aos 4 anos, quando eu conseguia ter controle sobre ele, mas, quando completou 7 anos, perdi o controle total do meu filho.
O que a senhora fez na primeira vez que ele sumiu de casa?
Ele tinha 7 anos, registrei boletim de ocorrência, fui à Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente e fiz um monte de cartazes de desaparecido. Através disso vi que ele não estava desaparecido (sorriu). Ele ficava dormindo no Cerrado mesmo com uns mal elementos (traficantes), que estão colocando ele para roubar.
E isso não lhe assusta?
Ele já mandou roubar a minha própria casa e me ameaça direto. Ele tem as técnicas de roubar e de entrar pela janela. (Sorri)
O que a senhora fez?
O que eu poderia fazer?
Não buscou ajuda?
Várias vezes eu pedi ajuda no Conselho Tutelar da Região Noroeste, mas não tinha retorno. Depois que mudei para o (Jardim) Cerrado 1, em 2009, o da Região de Campinas começou a acompanhar mais de perto.
A senhora procurou o Ministério Público e o Juizado também?
Fui ao fórum, mandaram carta ao Juizado da Infância. Disse que tentaria abrigamento, mas cheguei ao juizado e disseram que não poderiam fazer nada.
A senhora acredita que a situação pode ser revertida?
Sim, acredito.
Como?
Como não tenho muitas condições de mudar daqui, para tirar ele desta região, é um acolhimento. Num local com acompanhamento psicológico e social, acredito que realmente a história dele pode mudar. Eu queria muito tirar meu filho dessa.
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Equipes prometem levar ajuda
27 de agosto de 2014 (quarta-feira)
Depois de serem cobrados pelo POPULAR para tomarem alguma providência sobre o caso André, a Prefeitura de Goiânia e o governo de Goiás anunciaram que vão enviar hoje suas equipes à casa do menino, para tomar conhecimento da situação e prestar o devido atendimento à toda família. As equipes são da Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas) e da Superintendência de Direitos Humanos da Secretaria Estadual de Administração Penitenciária e Justiça (Sapejus).
O assessor especial da Semas, Arildo Ramos, disse que uma equipe já foi designada para ir à casa do menino. “Amanhã (hoje) devemos ter relatório do caso e vamos fazer toda tentativa para dar apoio para a família”, disse ele. O representante da Prefeitura chegou a afirmar que um grupo da secretaria já havia visitado ontem a casa da criança, mas O POPULAR rebateu, argumentando que acompanhou o caso durante todo o dia e não viu nenhuma equipe municipal na residência.
A assessoria do governo do Estado informou que a equipe da Sapejus também prometeu visitar a família hoje e, em seguida, oferecer toda assistência social necessária para o garoto e a família dele.
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OAB-GO quer exames psicológicos
27 de agosto de 2014 (quarta-feira)
A Ordem dos Advogados do Brasil de Goiás (OAB-GO) vai enviar hoje um ofício ao Conselho Tutelar da Região de Campinas, que acompanha o caso de André, para que ajude na mobilização por pedidos de exame psicológico para o menino e a mãe dele. “Vamos fazer solicitação amanhã (hoje) de exame psicológico para a criança e, se for o caso, para a mãe, também, com indicação do conselho tutelar”, antecipou a presidente da Comissão de Direitos Humanos da entidade, Mônica Araújo de Moura.
A advogada disse que instaurou um processo administrativo para que a OAB-GO também acompanhe o caso e cobre as devidas providências dos órgãos do Executivo e do Judiciário. “A Prefeitura e o Estado devem garantir políticas, mas o Ministério Público também tem de atuar, sim, com mais atenção neste caso”, observou a especialista.
Fonte: O Popular