O juiz da 1ª Vara Criminal de Goiânia, Jesseir Coelho de Alcântara, determinou o arquivamento da Operação Sexto Mandamento, realizada pela Polícia Federal em fevereiro de 2011, e que visava “desarticular uma organização criminosa que realizava extermínios”. Foram cumpridos 19 mandados de prisão preventiva e oito de prisão temporária, além de busca e apreensão de farto material.
As investigações da Polícia Federal diziam que um grupo dentro da Polícia Militar de Goiás praticava homicídios “com a simulação de que os crimes capitais foram praticados em confrontos com as vítimas”. O inquérito presidido pelo delegado da Polícia Federal Marcelo Moreira de Queiroz indicou a existência de “grupos de extermínio” e de uma organização “com alto poder de influência e de intimidação composta por policiais militares de Goiás, das mais diversas patentes”.
Um dos presos era o coronel Carlos César Macário, que à época era subcomandante geral da Polícia Militar e que teve sua carreira fulminada após o episódio. Ele e outros militares foram levados para o Presídio Federal de Campo Grande, onde permaneceram detidos até liberação pelo Tribunal de Justiça.
O advogado Higor Pierry, que representa a maior parte dos militares denunciados na operação acompanhou depoimento ocorrido na última semana e requereu uma diligência da Corregedoria-Geral da Justiça sobre os autos. Descobriu-se que o sequer o relatório final da Polícia Federal havia sido juntado e que conclusões com base nos levantamentos da PF seriam colocadas em dúvida tendo por base perícias realizadas em provas que mostrou serem nulas.
Após instado pela Corregedoria o juiz requereu parecer do Ministério Público sobre o andamento da ação e a resposta foi no sentido de que deveria ser procedido o arquivamento desses autos.
O promotor de Justiça Paulo Pereira dos Santos observou em seu parecer que os autos do “inquérito mãe” da Operação Sexto Mandamento tiveram tudo o que seja necessário para apurar cada caso concreto apurado durante a investigação. Com base nisso os autos devem ser arquivados.
Para preparar os passos seguintes da defesa o advogado Higor Pierry deu um xeque-mate na acusação requerendo uma Certidão Narrativa da 1ª Vara Criminal que deverá constar informações fundamentais sobre o caso. Detalhes como o nome do delegado que conduziu as investigações, o nome do juiz responsável pelo deferimento das representações de quebra de sigilo telefônicos e das outras medidas cautelares, bem como sua respectiva vara criminal de titularidade ou substituição. Além do tenente-coronel Ricardo Rocha as representações foram feitas pelo tenente-coronel Alessandri da Rocha Almeida e pelo coronel Carlos César Macário.
Advogado experiente, Higor Pierry sabe que um erro descoberto no curso dessa investigação colocará por terra tudo o que seus clientes foram acusados. Um exemplo é comparar qual magistrado autorizou escutas telefônicas e quebra de sigilos bancários com qual foi que determinou as prisões. Em decisão do Supremo Tribunal Federal ficou patente o entendimento de que “prova colhida por juiz incompetente é nula” e não se fala mais no assunto. Um detalhe fará toda a diferença: por qual razão os autos foram transferidos da 8ª Vara Criminal para a 1ª Vara, da mesma Comarca.
Contra-ataque
Em abril do ano passado, alguns oficiais, representados também pelo advogado Higor Pierry da Silva, promoveram uma série de representações em órgãos diversos já prevendo que o andamento do inquérito estava em ritmo lento por não poder ser concluído de forma a incriminá-los, e que de nenhuma dessas instituições seria de se esperar que houvesse o reconhecimento de que o procedimento estava equivocado. O Ministério Público foi acionado quanto à conduta dos promotores envolvidos com a operação e as interceptações telefônicas e acusações feitas “até hoje sem qualquer comprovação”. Com respeito ao Judiciário os militares pediram a apuração da conduta dos magistrados que oficiaram nas investigações e do que foi juntado nos autos.
“Existem fatos muito graves sem qualquer finalização até hoje com respeito a essa investigação. O que se percebe é que algumas coisas estão muito mal explicadas e uma demonstração inconteste disso é que até hoje, decorridos mais de dois anos da deflagração da Operação Sexto Mandamento, não houve sequer indiciamento dos envolvidos, não houve um relatório conclusivo das investigações e não se chegou a qualquer possibilidade de denúncia criminal a ser aceita pelo Poder Judiciário”, comentou o advogado à época das representações.
Depressão
Um dos casos mais emblemáticos da Operação Sexto Mandamento ocorreu com o subtenente Hamilton Costa Neves. Após ser preso e levado junto com os outros para o presídio de Campo Grande ele nunca mais foi a mesma pessoa. Hoje sofre de depressão profunda, com tendências suicidas, tomando remédios controlados e encostado de suas funções operacionais na Polícia Militar.
Em depoimento prestado em abril do ano passado Hamilton descreveu o calvário que passou após sua prisão, chorando compulsivamente ao relembrar o caso. Disse que diversas vezes pensou em suicidar-se imaginando ser uma forma de se libertar. “Fui preso às 4h30 da madrugada e levado com os outros para um presídio em outra cidade.” Em Campo Grande todos foram submetidos ao Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), estágio de tratamento carcerário considerado inumano e que destrói indivíduos que a ele são submetidos.
“Tiraram tudo de mim, tudo. Minha liberdade, minha sanidade mental e minha vontade de viver.” Hamilton lembra que muitas vezes tem visões noturnas e acorda assustado gritando e é socorrido pela esposa. “Vivo transtornado, tomando remédio para controlar ansiedade, surto de pânico e para poder dormir. Minha vida virou do avesso e o que gostaria somente era de ter minha vida normal de volta”, lamenta.
Inocentados
Dois outros presos emblemáticos já haviam sido excluídos da ação decorrente da Operação Sexto Mandamento. O ex-secretário da Fazenda Jorcelino Braga e o ex-secretário da Segurança Pública Ernesto Roller, que também haviam sido incluídos na investigação. O delegado que presidiu o inquérito chegou a pedir a prisão dos dois, considerados peixes graúdos do governo anterior, mas o juiz negou a ordem de prisão.
Mesmo assim o delegado emitiu de próprio punho a ordem para que eles fossem conduzidos coercitivamente à sede da Polícia Federal para prestar depoimentos. Eles foram investigados em função da lista de promoções para oficiais da Polícia Militar no final de 2010.
O advogado Higor Pierry disse que os militares estudam a possibilidade de ingressar com ação de danos morais contra o Estado por causa das violências das prisões e afastamentos.
A Operação Sexto Mandamento é considerada a precursora da Operação Monte Carlo, também realizada pela Polícia Federal e as duas nasceram de outra investigação nos mesmos moldes, intitulada Operação Vega. As duas investigações produziram efeitos mais políticos que jurídicos propriamente ditos e juristas sustentam que as duas têm grandes possibilidades de serem anuladas em virtude da forma como foram conduzidas. Julgados do STF sustentam o irreversível processo de nulidade das provas colhidas porque não podem ser usadas em juízo.
Fonte: Jornal Diário da Manhã