10/07/2014 - Portaria cria discordia
Policiais de um lado. Donos de casas noturnas do outro. No meio, a sociedade refém da insegurança. Assinada, ontem, pelo secretário estadual de Segurança Pública Joaquim Mesquita, a Portaria nº1.115/2014/SSP vem causando discórdia no setor. O documento rege que nenhuma arma de fogo de propriedade do Estado de Goiás seja usada no interior de casas noturnas, de shows e boates, exceto sob a posse de policiais em serviço.
A medida é semelhante a que foi impetrada por ocasião das duas últimas edições da Exposição Agropecuária de Goiás. A ação foi tomada depois que um jovem foi morto, após ser baleado por um policial civil, durante um dos shows da festa de 2013. Porém, agora, a Portaria nº1.115 estende a proibição para os estabelecimentos comerciais noturnos. Mas a proibição é válida apenas para armamento do Estado, ou seja, um policial portando legalmente armas particulares terá acesso aos mesmos locais.
Causa
Conforme nota divulgada pela Secretaria de Segurança Pública (SSP), a portaria teria levado em consideração as recentes ocorrências envolvendo tiroteio entre policiais, no interior de casas noturnas. Ainda no informe, Joaquim Mesquita disse que seria bem aceita pelos policiais. “Tenho certeza que o interesse da maioria dos policiais está de acordo com o interesse da sociedade”, afirmou o secretário. A proibição havia sido solicitada pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em Goiás (Abrasel Goiás).
Sucesso
A portaria está, de acordo com a SSP, fundamentada no art. 7º da Lei 17.257, de 25 de janeiro de 2011, no estatuto do desarmamento e no inciso II do art. 64 da Lei Estadual 16.901/2010. Para Rafael Campos Carvalho, presidente da Abrasel, a medida será um sucesso, tanto quanto foi assertiva durante a exposição. “Deu tão certo que estaremos fazendo uma campanha para tentar impedir que qualquer arma, pública ou privada, entre nos estabelecimentos e que isso aconteça em nível nacional”, explica.
Discórdia
Os policiais civis e militares entrevistados pela reportagem do Diário da Manhã foram unânimes, ao questionar a legalidade da portaria frente às leis estaduais e federais que lhes garantiria o direito ao porte de armas 24 horas por dia. Para eles, casos isolados não podem pautar uma medida que interfira no trabalho de instituições como as polícias Militar e Civil.
A Abrasel, por sua vez, informa que a medida visa a segurança dos clientes e funcionários, que recorrentemente seriam coagidos por ações abusivas de policiais, em dia de folga. “Armas, somadas à bebida e lazer, não combinam. Sete pessoas ficaram feridas no último episódio. Se não houvesse armas lá, teria havido uma briga, mas não tiroteio”, aponta Rafael Campos Carvalho.
Polêmica
Para o presidente do Sindicato dos Policiais Civis do Estado de Goiás (Sinpol-GO), Paulo Sérgio Alves de Araújo, a portaria não vai resolver o problema e é uma aviltação aos direitos de cerca de 50 mil policiais. “Nós somos obrigados a agir, mesmo estando de folga, então como estaremos desarmados nesses locais? Lidamos todos os dias com marginais, assim, precisamos nos proteger, proteger nossas famílias e a sociedade.”
De acordo com ele, a medida foi tomada para ceder a uma pressão social e midiática. “Somente os casos de policiais que agem com excesso estão sendo levados em consideração. Aqueles que morrem em horário de folga, ao cumprir seu dever, não são lembrados”, comenta Paulo Sérgio. “Vamos tentar convênios com empresas que vendem armamento, para estimular nossos policiais a terem suas próprias armas. Também vamos aconselhar que os agentes não ajam em horários nos quais não estejam trabalhando e tentaremos desestimular operações fora do período comercial”, informa Paulo.
O presidente do Sinpol também diz que outra medida adotada será, conforme a lei, observar se os seguranças das casas noturnas são registrados e credenciados pela Polícia Federal e se não se tratam de policiais, o que é proibido. “Seria uma medida mais efetiva punir exemplarmente os agentes que cometeram crimes, porque disparar em meio ao público é um crime, do que prejudicar todos os outros”, completa.
Fábio Vilela, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de Goiás (Sindepol), também questiona a portaria. “Desde que portaria semelhante foi imputada na Exposição Agropecuária, entramos na Justiça para questionar sua legalidade, pedindo que fosse anulada”, afirma. Para ele, é uma medida desproporcional. “Não existe razoabilidade para ela. Estamos esperando o Tribunal de Justiça agir, agora”, completa.
Ao analisar a portaria, a reação do subtenente da PM Luiz Cláudio Coelho de Jesus, presidente da Associação dos Subtenentes e Sargentos Bombeiros e Policiais Militares do Estado de Goiás (Assego), teria sido de surpresa, de acordo seu relato à reportagem. “O universo dos policiais militares e civis é muito grande e não se pode ser disciplinado através de portarias baseadas em atos isolados. Isso pode causar grandes danos à sociedade pois, diante de um perigo, imagine se o agente resolve não agir”, comenta.
O sargento Gilberto Cândido de Lima, presidente da Associação dos Cabos e Soldados da Polícia e Bombeiros Militares de Goiás (ACS), também encarou a portaria de maneira contrária. “Não se pode rasgar as leis e publicar uma portaria. A um agente que não pode se omitir, como agir sem uma arma?”, questiona. Considerando uma medida equivocada, o sargento disse que já entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública requisitando uma reunião para discutir o assunto. Todos os sindicatos disseram à reportagem que seus departamentos jurídicos estão sendo acionados para tentar reverter a portaria.
Fonte: Diário da Manha