A poucos dias do aniversário de 12 anos da criação da Lei Maria da Penha, celebrado nesta terça-feira (7), imagens das agressões cometidas contra a advogada Tatiane Spitzer pelo próprio marido, Luís Felipe Manvailer, em Guarapuava, no Centro do Paraná, comoveram o País. À polícia, testemunhas disseram ter ouvido o casal discutir durante vários minutos antes do fim trágico que o caso teve, com a morte da mulher, que caiu da varanda do 4º andar do prédio em que viviam, trazendo à tona questionamentos: era possível ter impedido isso? Se sim, por que ninguém fez nada?
O caso é semelhante a vários acompanhados por instituições como as polícias Civil e Militar em Goiás. As discussões entre casais muitas vezes ultrapassam os limites das quatro paredes e chegam ao conhecimento de familiares, amigos e vizinhos. Estes, por sua vez, nem sempre optam por se envolver.
“A maioria das pessoas não quer se intrometer porque não quer ‘ficar mal’ na história”, diz a tenente Dayse Rezende, comandante da Patrulha Maria da Penha, da Polícia Militar de Goiás, em Goiânia. “Essa é uma situação que nos preocupa”.
Dessa forma, desenha-se um quadro que assusta. Dados levantados por Dayse junto ao Observatório de Segurança Pública em 2016 e 2017 mostraram que não havia registro de ocorrência anterior contra os agressores em 90% dos casos de feminicídios ocorridos na capital.
“Me deparar com esses dados foi um susto. Como policial, eu achava que havia registros anteriores. Mas o que mais me espantou foi o fato de que testemunhas relataram ter ciência de que aqueles relacionamentos eram conturbados, abusivos. Mesmo assim, não havia registro da vítima e nem de vizinhos ou familiares”, conta a militar.
Para ela, é preciso despertar a consciência de que o papel de realizar a denúncia não é apenas da vítima, mas de toda a comunidade envolvida. “Muitas vezes, a mulher está amedrontada, por diversos fatores, e não vai até a delegacia.
A situação se repete no dia a dia da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam). A delegada titular, Ana Elisa Gomes diz que são poucos os casos que chegam à Polícia Civil a partir de terceiros, sendo das próprias vítimas o maior número de denúncias. Ela explica que há testemunhas que preferem não levar o caso às autoridades pelo receio de que a vítima, por quaisquer motivos, não queira ou não consiga colaborar posteriormente.
Porém, ela explica que há casos em que, mesmo sem a anuência da vítima, o processo pode prosseguir. “Depende do delito. Em caso de lesão corporal, por exemplo, mesmo que a vítima não queira, o inquérito policial será instaurado”.
Segundo a titular da Deam, há mecanismos que possibilitam o anonimato, como no próprio Ligue 180, da Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência. Ainda assim, a participação direta pode fazer a diferença em alguns casos, diz ela.
“Muitas vezes, o comprometimento é necessário. Temos que fazer uma discussão sobre até que ponto nós queremos nos envolver para ajudar o outro. É preciso ter compromisso de fazer a nossa parte”, diz ela.
Naturalização de agressões desmotiva denúncias
Muitos casos de violência doméstica não chegam às autoridades devido à naturalização das agressões pelas pessoas ao redor. Há três anos à frente da Patrulha Maria da Penha, da Polícia Militar de Goiás, a tenente Dayse Rezende diz que há vários relatos de testemunhas que evitam formalizar a denúncia das agressões por ser algo “rotineiro”, que costuma ser seguido de uma reaproximação das pessoas envolvidas.
Segundo a cartilha “Enfrentando a Violência Contra a Mulher”, publicada em 2005 pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, a permanência ao lado do agressor pode ser motivada por uma série de fatores. Entre eles, estão o medo, a esperança de que o companheiro mude de comportamento, o isolamento da família, a dependência econômica e a existência de riscos da separação.
A partir do levantamento de dados feito por Dayse, é possível notar a influência deste último ponto das estatísticas. “A maior parte dos feminicídios ocorreu pelo fato de o homem não aceitar o fim do relacionamento, durante um processo de divórcio ou de uma separação”, diz a tenente.
“É importante que se faça o registro da ocorrência, pois, independentemente do que ocorra com o casal, as informações ficam registradas”, explica.
Policiais passam por capacitação para atender casos de violência
A Patrulha Maria da Penha (PMP) acompanha o cumprimento de medidas protetivas de urgência, encaminhadas pela Justiça, e atua em situações de flagrante, em ocorrências denunciadas pelo 190 ou pelo próprio Disque-Denúncia da PMP.
Segundo a tenente Dayse Rezende, chefe da Patrulha na capital, há um trabalho de capacitação dos policiais para que eles estejam aptos a atuar em situações de violência contra a mulher. O trabalho é feito a partir de uma integração entre Ministério Público, Polícia Civil Poder Judicário e Polícia Militar, explica ela.
De acordo com a militar, os integrantes da Patrulha passam por formação em questões de gênero, procedimentos, legislação e contextos de atuação. A intenção é que os policiais estejam aptos a atuar dentro e fora do exercício profissional.
“A questão da violência vai muito além do envolvimento policial. É questão de cultura. É preciso o envolvimento da comunidade”, afirma a tenente.
Fonte: O Popular