Em dez anos, o Estado de Goiás construiu apenas mais uma unidade voltada para cumprimento de medida socioeducativa por adolescentes infratores. O número de centros de internação passou de sete, em 2005, para oito, em 2015, de acordo com a Secretaria Estadual Cidadã.
Em nota, a pasta informa que os magistrados devem reiterar o pedido de vagas para adolescentes infratores, caso seja negado pela primeira vez, por causa da rotatividade nos centros de internação. Magistrados dizem que nem os pedidos reiterados são atendidos no Estado. A secretaria diz que iniciou o processo de implantação de organizações sociais para a melhoria do sistema socioeducativo.
Obras
Sobre a construção dos Centros de Atendimento Socioeducativo (Case), a Agência Goiana de Transportes e Obras Públicas (Agetop) informa que as unidades dos setores Cidade Jardim e Chácara do Governador, em Goiânia, estão em fase de homologação da licitação. As de Itumbiara e de Caldas Novas estão em licitação. Faltam 30% para conclusão da de Anápolis. A de Porangatu não começou, a de Rio Verde está em fase de contratação da empresa e a de São Luiz de Montes Belos está paralisada. A obra de reforma do Case no Setor Vera Cruz, também na capital, está em andamento e foram construídos só 22% dela. A Agetop aponta falta de recursos.
Sistema socioeducativo além de “visões policialescas e repressivas”
Enquanto o sistema socioeducativo for tratado sob a ótica da “segurança pública”, com visões e comportamentos policialescos, repressivos e repressores, não haverá contribuições para a sua melhora. O alerta é da coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Infância de Juventude do Ministério Público de Goiás (MP-GO), promotora Karina d’Abruzzo.
Para tentar reverter o quadro de colapso do sistema socioeducativo, ela informa que, semanalmente, acompanha cada procedimento na área e participa de reuniões com os órgãos responsáveis. Com a criação de uma força-tarefa, ressalta Karina, um dos resultados foi a destinação de R$ 25 milhões, por parte do Estado, para construção de parte dos centros. Segundo ela, as obras ainda devem ter repasse de verbas federais.
Karina lembra que boa parte da sociedade insiste somente na punição do adolescente infrator. “Esquecendose, entretanto, da efetiva socioeducação, mais trabalhosa, sem sombra de dúvida, mas mais eficiente.”
Uma segunda chance para seguir o caminho do bem
Menores de 18 anos não cometem crimes; praticam atos infracionais. Mas quando questionados sobre por que cumprem medidas socioeducativas - punição a que estão sujeitos quando pegos em contravenção penal - citam o artigo correspondente ao crime no Código Penal: “155”, diz B.R, de 16 anos; “155”, repete A.M.C., de 16; “157, roubo e ameaça”, detalha D.A.G.S, também de 16 anos; “155”, cita M.A.Q., 17; “157 e 180”, diz D.R.M, de 15.
A familiaridade com a linguagem do direito penal demonstra o quanto estes adolescentes já estão inseridos no mundo do crime. B. furtou um celular para o primo, que não possuía o aparelho. Ele tinha seu próprio celular, estudava, trabalhava com o pai e morava com a família. Depois do furto, saiu de casa e foi morar com uma tia. B. é um dos 22 adolescentes de Senador Canedo que participam de um projeto piloto voltado para menores em conflito com a lei. Trata-se de uma iniciativa do Ministério Público, do Poder Judiciário e da Fundação Alphaville, inspirada no programa Jovem Sustentável Aprendiz.
No total, 60 garotos e garotas com idade entre 14 e 17 anos devem passar pelo programa, que surgiu no Brasil em 2010 e tem como objetivo preparar jovens para o primeiro emprego. Pela primeira vez, o programa recebe adolescentes em conflito com a lei e se tornou uma alternativa às medidas socioeducativas.
A participação não é voluntária, é imposta pelo juiz da Infância e Juventude, Carlos Eduardo Martins da Cunha. Ele vê no programa a possibilidade de ampliar o número de vagas destinadas ao cumprimento de medidas socioeducativas e, principalmente, de dar a estes adolescentes a oportunidade de conhecer um meio diferente do que aquele que o levou ao crime. “Tirar deles essa visão de que o bacana é ser traficante, que a polícia mata, que é preciso se impor pela força e que as regras não são importantes.”
Não todos, mas alguns, em 9 encontros de um total de 30, já percebem o programa como chance de mudança. Logo na primeira semana, relata o juiz, o banheiro do Fórum, onde fica a sala de aula do programa, foi pichado. Diante da possibilidade do episódio prejudicar o andamento do curso, cinco adolescentes se apresentaram para limpar a pichação. Alguns já sentem no dia a dia a diferença. A.C.M conta que, depois que começou a frequentar o programa, as pessoas pararam de olhar para ela como se ela fosse uma bandida. “Aqui eu percebi que não sou bandida.” Ela teria roubado um celular.
D.A.G.S, que já respondeu por ameaça ao pai e agora cumpre medida socioeducativa por roubo, conta que apenas sua mãe o tratava bem e toda a famìlia o via “com maus olhos”. “Agora, até o motorista do ônibus conversa comigo.”
Projeto piloto coloca jovens em sala de aula
O comportamento dos adolescentes do programa Jovem Sustentável Aprendiz na sala de aula não é diferente de outros garotos da idade, afirma Gustavo Aloe, coordenador da Fundação Alphaville e monitor do programa. Ele conta que a maioria está ali devido a situações como brigas na escola e ameaças.
Para o projeto piloto, foram selecionados adolescentes que praticaram atos infracionais menos graves. “O roubo é o mais grave”, afirma o promotor da Infância e Juventude de Senados Canedo Glauber Rocha Soares. “São adolescentes mais fáceis de tratar e que oferecem menor risco ao programa.”
Na turma, D.R.M, de 15 anos, responde pelos crimes mais graves: roubo e receptação. Ele foi detido junto com uma quadrilha de roubo de veículos em Bela Vista, depois de já ter sido pego por receptação. Trocou 5 meses de medida socioeducativa pelo programa. M.A.Q. também foi detido por roubo a mão armada. Ele dirigia a moto do colega que roubou um celular. O aparelho foi vendido e o dinheiro, usado para ir a uma festa.
Quase todos têm envolvimento com drogas e todos os entrevistados pela reportagem admitiram fumar maconha. Mas o programa não está preocupado em coibir esse comportamento, afirma Aloe. “Busca fazer com que esses adolescentes enxerguem seus potenciais, reflitam sobre as relações familiares e olhem para dentro de si e descubram seus valores.”
Os que concluírem o curso serão encaminhados para empresa privadas que também colaboram com o programa e terão a chance de recomeçar.
Fonte: O Popular