Foi o crescimento de apreensão de drogas em aeronaves no território goiano nos últimos meses que levou a Polícia Federal a desencadear nesta quarta-feira (4) a operação Ozark-Narco que culminou no cumprimento de 25 mandados de prisão temporária e 25 de busca e apreensão. Entre os detidos está o megatraficante Leonardo Dias Mendonça, condenado a mais de 79 anos de prisão, que cumpria pena no regime semiaberto desde agosto do ano passado, o ex-prefeito de São Miguel do Araguaia, Nélio Pontes da Cunha, que renunciou ao cargo na semana passada, e Sebastião Monteiro Guimarães Neto, filho do deputado estadual Tião Caroço (PSDB), conhecido como Carocinho Pegoraro, que foi liberado após audiência.

Superintendente regional da Polícia Federal em Goiás, o delegado Josélio Azevedo de Sousa explicou que a operação desencadeada simultaneamente em quatro estados – Goiás, São Paulo, Pará, Minas Gerais – e no Distrito Federal, mobilizando 130 policiais, tem o objetivo de investigar não apenas o tráfico internacional de entorpecentes, mas também a aplicação do lucro proveniente da atividade. Na primeira fase da operação, revelada nesta quarta-feira, a PF mostrou a grande movimentação do grupo identificado na importação e exportação de cocaína e na lavagem de recursos obtidos com a atividade. A PF não especificou quais, mas informou que outros países participam das investigações.

De acordo com o titular da Delegacia Regional de Repressão a Entorpecentes (DRE), Bruno Gama, a PF identificou que o grupo vinha trazendo uma grande quantidade de cocaína da Bolívia para o território goiano em aeronaves privadas e daqui exportava para países europeus, principalmente Bélgica. Duas apreensões nos portos de Santos (SP) e Itajaí (SC), totalizando mais de uma tonelada de cocaína, ajudaram a revelar os tentáculos da quadrilha. Houve ainda a prisão de uma “mula” na França, transportando drogas a partir do Brasil. Em maio deste ano, já com as investigações em andamento, uma aeronave transportando quase 500 quilos de pasta base de cocaína foi sequestrada pela PF depois de ter sido interceptada no sul de Goiás pela Força Aérea Brasileira (FAB).

Lavagem de dinheiro

Bruno Gama explicou que a organização criminosa vinha abrindo diversas empresas para “lavar” o dinheiro arrecadado com o tráfico. Entre as mencionadas pela PF estão uma empresa de jogos no interior de Minas Gerais a caminho de ramificação para o interior paulista; uma rede de postos de combustíveis em Goiânia; a compra de terrenos em Senador Canedo para a instalação de uma distribuidora de combustíveis; e a negociação para a compra de uma faculdade em Goiás.

Os delegados da PF não apontaram Leonardo Mendonça como “chefe” da organização criminosa, mas enfatizaram que a grande maioria dos investigados é formada por integrantes de sua família ou pessoa próximas a ele. Os contatos que ele fez ao longo dos anos, o colocaram, segundo os delegados, numa posição de prestígio junto às atividades do grupo. “Ele dava suporte, indicava pessoas para fazer a remessa da droga para o mercado internacional e entrou em contato com o ex-prefeito, com quem se relacionava desde a década de 90, para estocar o entorpecente, até que fosse exportado”, disse Bruno Gama. Segundo o delegado, desde a saída de Leonardo da prisão, há um ano, várias empresas foram adquiridas pelo grupo. “Inclusive o local que ele trabalha não seria legal, mas forjado para subsidiar o regime semiaberto”.

Até o fim do dia, a PF havia efetuado 22 prisões, a maior parte delas em território goiano. Também foram apreendidos 15 veículos que, juntos, somam R$ 2,5 milhões, jóias e R$ 200 mil em moedas nacional e estrangeira. Além da aeronave pertencente ao grupo, sequestrada em maio, outro avião de pequeno porte foi apreendido na primeira fase da operação. Para a segunda etapa, está previsto o bloqueio de contas bancárias e apreensão de imóveis, segundo a PF.

Séries

Batizada de Ozark-Narco, a operação da PF remete a conhecidas séries de TV. Em Ozark, produção norte-americana de 2017, um consultor financeiro tenta lavar US$ 500 milhões obtidos com o tráfico de drogas num resort de verão situado na cadeia de montanhas Ozark, no sul dos Estados Unidos. Já Narcos, co-produção dos EUA-Colômbia, mostra a trajetória do traficante colombiano Pablo Escobar.

Hospital estava na mira do esquema 

A Polícia Federal de Goiás evitou detalhar a participação do ex-prefeito de São Miguel do Araguaia, Nélio Pontes, no esquema. “A investigação está em andamento, mas ele faz parte da organização dando suporte logístico para a distribuição da droga”, disse Bruno Gama. O POPULAR apurou que o grupo estava se movimentando para usar, também, o Hospital Lúcio Rebelo como empresa para lavagem de dinheiro do tráfico.

Preso durante a operação Ozark-Narco, Nélio Pontes anunciou na semana passada que renunciaria ao cargo de prefeito de São Miguel do Araguaia, no Norte goiano. Ele foi eleito em 2016 pelo PSDB com quase 6 mil votos. Na carta de despedida, o político alegou que havia sido convidado a assumir a direção-geral de um hospital privado em Goiânia, onde sua família está estabelecida. Este hospital seria o Lúcio Rebelo. A PF não confirma que o grupo estava negociando a compra do estabelecimento, mas um dos mandados de busca e apreensão tem relação com o hospital.

Em nota, a direção da unidade de saúde informou que “não há e não houve tratativa formal do Hospital Lúcio Rebelo com o Sr. Nélio Pontes da Cunha”. Ainda conforme a nota, o hospital “se encontra fechado e continua com sérias dificuldades financeiras, pertencendo, integralmente ao médico Percival Xavier Rebelo Filho”.

O estabelecimento, que começou a funcionar em 1975, foi vendido em setembro de 2017 num formato de cotas e passou a se chamar Adonai. Como os compradores não cumpriram os compromissos previstos nos contratos, os antigos proprietários conseguiram retomar o prédio há um ano, em condições precárias, e o nome voltou a ser o anterior, mas não foi reaberto.

Em junho deste ano, o Tribunal Regional do Trabalho determinou a penhora, a avaliação e a averbação do hospital para pagamento de dívidas trabalhistas que somam cerca de R$ 28 milhões. Segundo o advogado do Lúcio Rebelo, Carlo Adriano Vencio Vaz, a empresa apresentou recurso para que o valor da arrematação não seja inferior a R$ 30 milhões. (Malu Longo)

Defesa de Leonardo Dias pede processo legal para sentença justa

A defesa do preso na Operação Ozark-Narco, Leonardo Dias de Mendonça, informou que não teve acesso integral às informações do processo e que só depois disso vai poder se manifestar sobre cada acusação. Em nota enviada à reportagem, o escritório de advocacia Fi<CW-15>gueira Cardoso e Macedo Advogados Associados defende o devido processo legal para se chegar numa sentença justa e alega que isso não está ocorrendo.

“Cabe ressaltar que este rito parece não ser seguido integralmente quando o nome de Leonardo Dias de Mendonça já é utilizado em contexto condenatório”, diz trecho do documento dos advogados.

Leonardo Dias, que já foi considerado o maior traficante do Brasil e apelidado de “Barão do Tráfico” no início dos anos 2000, cumpria pena no regime semiaberto desde agosto do ano passado. Ele ganhou esse direito depois de ter cumprido um sexto de sua pena de 74 anos e sete meses de prisão.

Desde a rebelião com nove mortos na Colônia Agroindustrial do Regime Semiaberto, em Aparecida de Goiânia, em janeiro de 2018, os presos que estão nesse regime têm o direito de dormir em casa e ser apenas monitorados por tornozeleira eletrônica, desde que tenham um trabalho comprovado. Após as mortes, o Judiciário entendeu que a unidade não tem condições de receber todos os detentos em semiliberdade.

Leonardo estava empregado como representante comercial. Segundo a investigação da Polícia Federal, o trabalho seria uma fachada e desde a sua saída do regime fechado os negócios da quadrilha teriam aumentado com a compra de mais bens.
Até o fechamento desta edição, a reportagem não havia localizado a defesa do ex-prefeito de São Miguel, Nélio Pontes (PSDB).

Foto: Polícia Federal

Fonte: Jornal O Popular

Link: https://www.opopular.com.br/noticias/cidades/opera%C3%A7%C3%A3o-da-pol%C3%ADcia-federal-aponta-tent%C3%A1culos-do-tr%C3%A1fico-em-goi%C3%A1s-1.1879509