Apesar de ainda não estarem identificados pela polícia, pelo menos seis grupos neonazistas já foram identificados em Goiás, segundo uma pesquisa feita pela antropóloga e professora Adriana Abreu Magalhães Dias, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). São quatro células em Goiânia, uma em Pirenópolis e outra em Luziânia. A influência pode vir tanto da Rússia e da Ucrânia, como dos Estados Unidos. E apesar de estes grupos estarem ativos, não há atos de violência registrados em público, mas principalmente compartilhamento de mensagens de ódio.
Estas 6 células neonazistas goianas se juntam a outras 328 mapeadas em todo o País por Adriana, durante mais de 18 anos de estudos, e estão mais detalhadas em sua tese de doutorado pela Unicamp, com previsão de virar livro em 2020. A pesquisa revela que a Região Sul e Sudeste são as que concentram maior número de grupos neonazistas, sendo São Paulo o Estado com mais células – 99 ao todo. Goiás aparece em 7º.
“É mais comum no Sul e Sudeste porque eles têm uma tradição de intolerância maior com o outro, assim como a questão do preconceito grande com negros e imigrantes, e agora essa tradição está chegando e se espalhando”, relata. No caso da Região Centro-Oeste, a pesquisadora identificou que houve um crescimento nos últimos anos.
Em Goiás, a maior célula identificada por Adriana é a Azov, na capital. Ela é inspirada em uma organização paramilitar da Ucrânia, com discurso de limpeza étnica e perseguição a homossexuais, e estaria presente em algumas academias de artes marciais. “O movimento chegou até Goiás vindo da Ucrânia e da Rússia”, afirma. Já no interior, a pesquisadora detectou grupos inspirados nos em movimentos neonazistas norte-americanos.
Polícia
A delegada Sabrina Leles, titular da Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Cibernéticos (Dercc), afirma que até o momento não houve registro de ocorrências na polícia envolvendo grupos neonazistas em Goiás. “Temos somente casos de ataques contra a honra, de forma pontual e que todos foram esclarecidos e autoria identificada, mas nenhum dos casos é relacionado a grupo organizado”, informou. “No entanto, frente às informações trazidas pelo estudo desenvolvido pela pesquisadora, certamente empenharemos esforços para verificar a possibilidade de existência de grupos ou liderança de grupo, localizados em Goiás.”
Já a pesquisadora da Unicamp acredita que a dificuldade enfrentada pela polícia é no País todo e se deve, principalmente, à falta de recursos para fazer a identificação e acompanhamento. Ainda são poucas as delegacias especializadas em crimes cibernéticos. Outro obstáculo apontado por Adriana é que o movimento neonazista está em crescimento no Brasil.
Células grandes
No Brasil, Adriana conseguiu identificar 17 movimentos distintos entre as 334 células mapeadas, entre hitleristas, supremacistas/separatistas, outros que negam o Holocausto e até mesmo seções locais da Ku Klux Klan (KKK). Os grupos são de tamanhos variados, de 3 a 40 pessoas.
Adriana explica que, no geral, as células não estão conectadas, seja nacional ou localmente. “Pode acontecer apenas alguma exceção de um membro conhecer outro”, explica. As reuniões têm motivações distintas, sendo que alguns fazem leitura de textos nazistas e outros agem de forma violenta explicitamente, defendendo, por exemplo, espancamento contra homossexuais.
As adesões a estas células ainda acontece, segundo Adriana, por vários motivos. “Algumas pessoas são aliciadas pelo ódio, diante da angústia de não achar emprego, esperança ou mesmo pertencimento, diante disso, elas caem no discurso de ódio”, avalia. De acordo com ela, alguns são levados pela própria formação, já outros entram porque são sociopatas e querem manifestar este ódio com a raiva às minorias.
O ódio que estes grupos constroem e alimentam é cultivado de diversas maneiras em diferentes níveis. Um destaque de Adriana é o culto a masculinidade. “Ele cria uma cultura de estrupo e faz toda uma elevação às armas e à fúria”, afirma.
Apuração
Para chegar ao resultado, a antropóloga usou ferramentas na internet para identificar os discursos dos grupos. Uma das formas de abordagem foi o acompanhamento de simpatizantes com o neonazismo em blogs ou fóruns norte-americanos. “Estes fóruns são protegidos pela lei americana de liberdade de expressão e alguns chegam a ter 40 a 50 mil brasileiros envolvidos”, ressalta.
Nos fóruns, segundo Adriana, as pessoas comentam quais são os movimentos que participam e de onde são. “Eu converso então com algumas pessoas e descubro onde estão, por exemplo, mapeio isso junto com noticias de jornais, estudos de casos, atentados para confrontar a informação com o lugar onde eles dizem que estão”, comenta.
Além disso, ela também fez levantamento de números em sites, postagens nas redes sociais e pesquisas sobre integrantes em comunidades virtuais. Ela descobriu, por exemplo, que há uma postagem antissemita no Twitter a cada 4 segundos e uma em português contra negros, pessoas com deficiência e LGBTs a cada 8 segundos.
Já na deep web e na chamada dark web, onde muitos dos grupos de ódios se organizam, a especialista conta que os membros se sentem confortáveis para falar de planos futuros. A partir disto, ela monitora e repassa o que descobre para a polícia.
O neonazismo se tornou tema dos estudos de Adriana após ter lido o livro “A Escrita ou a Vida”, de Jorge Semprún, dentro de uma disciplina no curso de Ciências Sociais. O interesse virou tema de trabalho de conclusão de curso, depois de mestrado e agora no doutorado. E no próximo ano todo o trabalho será publicado em livro.
Internet
O movimento de ascensão de grupos de extrema-direita como os neonazistas está diretamente relacionado às facilidades de comunicação permitidas pela internet e com o acirramento de conflitos sociais pós-crise de 2008. “Nunca deixou de existir, mas essa volta com força da extrema direita veio com a crise de 2008, onde tem um acirramento do conflito social, processo de empobrecimento brutal. Diante da crise social surgiram mais membros para essa atual “vaga” fascista”, avalia o professor de História da Universidade Federal de Goiás (UFG), David Maciel. “É uma concepção politica que não admite a mediação pela politica, o adversário tem que ser exterminado, é isso que caracteriza o nazismo e o neonazismo. O neonazismo por sua vez recupera esse elemento central, e agrega novos elementos.”
Dessa forma, segundo Maciel, a tecnologia trouxe um facilitador de discursos extremistas e favoreceu a divulgação das chamadas “fake news”. “Há uma facilidade de comunicação com a tecnologia, que na época do nazismo não havia. Inclusive na Deep Web, por meio da chamada internet profunda, onde lá pessoas que seguem esta linha de pensamento trocam materiais que retomam o discurso do nazismo antigo também, como por exemplo, materiais proibidos como livro de Hitler”, aponta.
O professor de História Flávio Batista do Nascimento destaca que o neonazismo no Brasil traz algumas peculiaridades, já que diferente do nazismo em sua origem existe aqui uma herança escravista.
Nascimento também aponta a influência da internet na situação atual da extrema-direita. “A web serviu não só como via de comunicação, mas de encontro entre aqueles que não se enxergavam nos debates mais profundos, dos que foram afetados pela crise financeira e daqueles que sempre acreditaram na supremacia branca”, explica.
Segundo o professor, a possibilidade de contato virtual permitiu aos grupos construir uma comunidade. “Isso não significa que não há gente com alto nível de educação. Apenas que isso permitiu o encontro entre aquela intelectualidade que afirma ser motivo de atraso do Brasil e aqueles que afetados pelo momento conturbado da crise precisam de algo para acreditar”, conclui.
Imagem/fonte: Jornal O Popular