Mais da metade dos detentos da Casa de Prisão Provisória (CPP), que funciona dentro do Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia, está presa há mais de seis meses. A unidade, que é a maior do Estado, foi construída em 1997 e tem o objetivo de custodiar suspeitos de crimes até que sejam julgados definitivamente. No entanto, a lentidão no andamento dos processos, a falta de vagas e outros fatores específicos fazem com que sua população carcerária não pare de crescer e que ela se torne uma bomba relógio.

Oficialmente, a CPP possui 800 vagas. O histórico de superlotação da unidade desencadeou em uma decisão da Justiça de 2011 que tolera que ela receba até 1.460 presos, mas essa determinação nunca foi cumprida. Neste mês, a quantidade de detentos passou de 3 mil.

Por semana, cerca de 120 novos presos chegam na CPP, vindos da Central de Triagem, delegacias ou em cumprimento a mandados de prisão. No mesmo período, apenas 100 costumam deixar a unidade, transferidos ou postos em liberdade após decisões judiciais. O cálculo matemático não fecha, tem mais gente entrando do que saindo.

A superlotação gera uma rotina tensa para servidores e presos da unidade. Em algumas celas, de 12 metros quadrados, 40 pessoas chegam a se amontoar. Na hora de dormir, os presos se encaixam lado a lado, como peças de um quebra cabeça, ocupando todo o espaço do chão. Durante o dia, para aliviar, eles ficam no pátio no chamado banho de sol que vai das 9h até as 16h. O fornecimento de água é restrito a poucas horas por dia.

Essa superlotação impede, inclusive, o cumprimento de procedimentos administrativos, que é quando o detento comete alguma infração dentro da cadeia. Entre os “castigos” possíveis, está o isolamento temporário do encarcerado, mas o excesso de pessoas impede que uma cela seja reservada para isso ou para colocar um apenado que não tem uma boa convivência com os outros. Também fica impedida a divisão dos encarcerados por níveis de periculosidade.

No último dia 2, por exemplo, Edivaldo Trindade dos Santos, de 26 anos, foi encontrado morto em uma cela da unidade. Ele havia confessado a participação no assassinato de um homem e sua sobrinha, de 4 anos, caso de grande repercussão midiática. Presos da mesma cela chegaram a tentar simular um suicídio, mas a farsa foi descoberta e um deles confessou que matou Edivaldo.

Números

Dados que a reportagem teve acesso do controle interno da Diretoria Geral de Administração Penitenciária (DGAP) do início de outubro, quando a CPP estava com 2.947 custodiados, mostram que a maioria deles (56%) estavam na unidade há mais de seis meses. Entre eles, 311 por mais de dois anos e 105 por mais de três (veja quadro).

São considerados provisórios os presos que ainda não tiveram nenhum julgamento ou que já foram julgados em primeira instância e recorreram. Em tese, só são transferidos da CPP para unidades de regime fechado os detentos que possuem uma guia de recolhimento definitivo, ou seja, em que o processo já está com trânsito em julgado, que não se pode mais recorrer.

A legislação brasileira não chega a estipular um prazo fixo para o encerramento de um processo criminal, mas são definidos tempos limites para cada fase do processo, que somados dão 120 dias. Mutirões carcerários, que é quando a Justiça intensifica o andamento de processos, consideram com maior urgência casos de provisórios com mais de 180 dias.

Uma das questões é que os números do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) divergem dos da DGAP. A Justiça lê o sistema carcerário através do andamento dos processos divididos por suas respectivas comarcas e não pela unidade que o detento está custodiado. Para ela, são 2.376 provisórios considerando Goiânia e Aparecida, sendo que 982 estão nesta situação há mais de seis meses e 38 por mais de três anos.

Não existe atualmente um cruzamento de dados que mostre quantos dos presos provisórios identificados pelo TJ-GO realmente estão na CPP. Além disso, também existem os detentos da Casa de Prisão Provisória que são de outras comarcas, que podem até ser de fora do Estado.

No ano passado, após uma sequência de chacinas em presídios do Brasil, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) anunciou a criação de um Banco Nacional de Monitoramento de Prisões, o BNMP 2.0. Os presos de Goiás já estão cadastrados neste sistema, mas ele ainda está em aperfeiçoamento. Atualmente ele não permite gerar uma tabela geral dos presos do Estado, sendo possível apenas a pesquisa por comarca e cidade.

Entre os mais de 3 mil detentos da Casa de Prisão Provisória (CPP) há casos em que após julgamento a pessoa pode ser colocada em liberdade ou semiliberdade, seja por ser inocentada ou porque a pena do crime não ultrapassa quatro anos, quando não é previsto prisão em regime fechado.

Essa foi a situação do jovem Elias Silva (nome fictício). Sem passagem pela polícia, ele foi preso em uma abordagem policial no dia 11 de maio deste ano por estar dirigindo um carro que havia sido roubado três dias antes.

A pena do crime de receptação, que é quando se “adquire, recebe, transporta, conduz ou oculta coisa que sabe ser produto de crime”, não ultrapassa quatro anos. Mesmo assim, Elias ficou na CPP durante quatro meses, até que foi condenado em setembro a pouco mais de um ano de uso de tornozeleira eletrônica.

Na decisão, a juíza Carmecy Rosa, interpreta que houve ofensa ao princípio da proporcionalidade. “A medida cautelar privativa de liberdade imposta ao paciente é mais gravosa que a própria pena privativa de liberdade que eventualmente será imposta ao final do processo.”

Pena agravada por espera

Entre os mais de 3 mil detentos da Casa de Prisão Provisória (CPP) há casos em que após julgamento a pessoa pode ser colocada em liberdade ou semiliberdade, seja por ser inocentada ou porque a pena do crime não ultrapassa quatro anos, quando não é previsto prisão em regime fechado.

Essa foi a situação do jovem Elias Silva (nome fictício). Sem passagem pela polícia, ele foi preso em uma abordagem policial no dia 11 de maio deste ano por estar dirigindo um carro que havia sido roubado três dias antes.
A pena do crime de receptação, que é quando se “adquire, recebe, transporta, conduz ou oculta coisa que sabe ser produto de crime”, não ultrapassa quatro anos. Mesmo assim, Elias ficou na CPP durante quatro meses, até que foi condenado em setembro a pouco mais de um ano de uso de tornozeleira eletrônica.

Na decisão, a juíza Carmecy Rosa, interpreta que houve ofensa ao princípio da proporcionalidade. “A medida cautelar privativa de liberdade imposta ao paciente é mais gravosa que a própria pena privativa de liberdade que eventualmente será imposta ao final do processo.”

Fonte: O Popular