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UNIÃO GOIANA DOS POLICIAIS CIVIS

A tragédia do feminicídio: Em 4 dias, 4 mulheres são mortas por ex-companheiros em Goiás

Entre os dias 11 e 14 deste mês quatro mulheres foram mortas por seus ex-companheiros em municípios do Entorno do Distrito Federal e na região metropolitana de Goiânia. Em todos os casos, um fator em comum: eles não aceitaram o fim da união e as tentativas delas de construir novas relações. Os episódios engrossam as estatísticas que colocam o Brasil entre o quinto país do mundo com maior número de feminicídios, mesma posição de Goiás em relação ao restante do País, segundo o último Atlas da Violência, divulgado em junho pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Muito além dos números, o legado emocional devastador dessas tragédias é gigantesco. Os feminicídios não apenas findam a vida de mulheres, mas deixam vítimas indiretas, menores órfãos de mães e pais, eventualmente mortos, presos ou foragidos. Conforme o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 88,8% das vítimas foram assassinadas no ano passado por ex ou atuais companheiros, ou seja uma violência vinculada à dependência patrimonial e coerção psicológica. O fato das agressões ocorrerem no seio familiar é um desafio para as políticas de prevenção e proteção porque na grande maioria dos casos elas não denunciam porque não se sentem amparadas.

Denise Aparecida dos Santos, de 46 anos, trabalhava como cuidadora de idosos na cidade satélite do Guará, no Distrito Federal, e morava em Novo Gama (GO). Mãe de três filhos, era uma pessoa alegre, cheia de vida. Os momentos de folga eram dedicados à família e a pequenos divertimentos. “Ela estava começando uma vida feliz, de prosperidade, e acontece uma coisa dessas. É revoltante”, lamenta sua sobrinha Samanta Stevam, de 20 anos. Ela conta que a tia viveu durante cinco anos com Kléber Rogério de Oliveira Soares, um relacionamento de altos baixos. Após muita luta, Denise comprou a casa própria e tinha acabado de quitar um carro. Dentro dele, há quatro meses, ela viu Kléber com outra mulher e decidiu colocar um ponto final na relação.

Uma outra pessoa surgiu na vida de Denise. No domingo, ao chegar em casa após um passeio com o novo namorado à cachoeira de Corumbá de Goiás, havia um recado na parede de casa: “Vai morrer os dois”. Ela chegou a ir a um Centro Integrado de Operações de Segurança Pública (Ciosp) para fazer a denúncia, mas o local estava fechado no domingo. Com medo, junto com a filha de 15 anos, foi dormir na casa de familiares.

Quando o dia amanheceu ela decidiu pegar alguns pertences em sua residência antes de prestar queixa do ex-companheiro. Ao entrar sozinha no local, foi recebida a tiros. Denise morreu ali mesmo. Kleber fugiu e horas depois foi encontrado morto sob uma ponte do Lago Norte.

A família de Denise está desolada. “Eu parei de trabalhar para cuidar da minha mãe. As duas eram muito próximas, faziam tudo juntas, não sei como será agora”, diz Samanta. A grande preocupação é com a prima, a filha caçula de Denise, que aos 15 anos perdeu seu porto seguro. Ela era a única que morava com a mãe porque os dois irmãos são casados.

“Esse luto de uma perda violenta, inesperada e brutal traz consequências graves. Há as perdas secundárias, como a saída de casa, do ambiente de tranquilidade e de segurança. É muito diferente de uma morte por doença, que é o que a gente espera da finitude”, explica a psicóloga Célia Maria Ferreira Teixeira, especialista em luto.

A psicóloga lembra que filhos de vítimas de feminicídios ficam traumatizados, com medo, angústia e ansiedade, e podem desenvolver quadros de agressividade, de depressão, de baixa autoestima e de insegurança. “É uma perda dupla. A mãe morre, o pai se afasta e o círculo familiar fica sem proteção. A situação pode desencadear uma revolta que compromete futuras relações. O que se apreende dos modelos dessas figuras, um homem violento e uma mulher que perde o direito à vida?”

Sem chance de nova história afetiva
Um dia antes da morte de Denise, outra mulher moradora do Entorno do Distrito Federal (DF) perdeu a vida de forma brutal. Telefonista do Fórum da comarca de Planaltina de Goiás, Érica Sousa França, de 41 anos, foi assassinada pelo ex-marido, Reginaldo Pereira da Silva, com quem viveu durante 23 anos. Tudo aconteceu na frente da filha caçula de ambos, de 18. O casal teve outros dois filhos. A adolescente tentou proteger a mãe e foi ameaçada pelo pai. Érica se recuperava de um câncer que já tinha levado dela a perna esquerda.

Há cerca de um ano Érica e Reginaldo se separaram. A filha contou à polícia que o comportamento agressivo do pai era recorrente em casa, com ameaças e destruições. Com o fim do casamento, Érica decidiu recomeçar. “Ela estava com o namorado e a filha em casa quando Reginaldo chegou arrombando a porta”, conta o delegado Cristiomário Medeiros, de Planaltina. O namorado de Érica conseguiu fugir e Reginaldo, após matar a ex-mulher voltou para casa e esperou ser morto pela polícia porque não teve coragem de se suicidar. Para isso chegou a trocar tiros com as forças de segurança. Acabou preso após horas de negociação.

Em Goiânia, no bairro Garavelo B, a auxiliar de nutrição de um grande hospital, Lioci Souza dos Santos, de 48 anos, também não teve chance de uma nova história afetiva. Na segunda-feira (14), o ex-marido Sarapião Barbosa dos Santos, um frentista de 55 anos, matou Lioci e o namorado, Josué Carlos Monteiro, de 42, dentro da casa dela.

“Ele já tinha aceitado a separação, ajudou na mudança dela, ninguém esperava por isso. É uma pessoa ignorante que acha que a mulher é sua propriedade”, desabafa um parente. Lioci, segundo ele, era o eixo do núcleo familiar para a casa de quem todos convergiam nas datas comemorativas. Do relacionamento dela com Sarapião ficou uma filha de 16 anos. “Estamos providenciando um psicólogo para ela”, diz o parente.

Em Cristalina, ainda no Entorno do DF, o guarda municipal Alexandre José Padilha, de 44, se enfureceu ao descobrir um provável novo relacionamento da ex-namorada, Ana Beatriz Nascimento Silva, de 19. Na madrugada do dia 11 deste mês, uma quinta-feira, ele foi ao bar onde ela trabalhava e a matou com três tiros. Depois, foi para a casa onde morava com a mãe e se matou. “Ele era solteiro, se encantou com ela, bem mais nova, e se frustrou”, disse o delegado Fabiano Medeiros que investiga o caso.

Especialistas cobram políticas públicas
Estudiosos no assunto atribuem a reincidência dos crimes contra mulheres em razão de gênero a uma ausência de política pública eficiente para proteger essa camada da população. Este ano, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão vinculado à Organização dos Estados Americanos (OEA), informou que em 2017 o Brasil concentrou 40% dos feminicídios da América Latina e que este padrão de violência é “resultado de valores machistas profundamente arraigados na sociedade brasileira”.

“O que foi feito até hoje no Brasil para proteger as mulheres além de leis punitivas? Só o sistema jurídico punitivo não dá conta, elas precisam de uma rede de proteção, do apoio da família, dos amigos e do Estado”, afirma Michele Franco, professora doutora da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás (UFG), integrante do Núcleo de Estudos Sobre Criminalidade e Violência (Necrivi). Para ela, o feminicídio não acontece de uma hora para outra, é o ápice de uma situação em que a mulher é desvalorizada. “A sociedade a enxerga de uma maneira deteriorada, ela tem de provar a cada dia sua capacidade, fica exposta a muitas violências de ordem psicológica e material.”

Michele Franco defende por parte do Estado uma abordagem multidisciplinar para proteger as mulheres em situação de vulnerabilidade. “Há um ideário de que numa relação a mulher precisa compreender sempre e o homem é o ser mais racional. Essas sutilezas conspiram para que ela se sinta diminuída e se torne presa fácil de relacionamentos abusivos. Ela não pode lutar sozinha. A violência contra a mulher é um problema público. Ela precisa receber atenção desde a educação básica, passando pelas unidades de saúde e nas delegacias.”

Temor de mais mortes
Em Goiás, dados da Secretaria de Segurança Pública mostram que entre janeiro e setembro deste ano o número de feminicídios é o mesmo do mesmo período de 2018, com 24 ocorrências. Os dados de outubro ainda não saíram, mas os últimos fatos revelam um quadro nada animador. Em todo o País no ano passado o Atlas da Violência computou 1.206 feminicídios, um aumento de 5% em relação a 2017. Em Goiás o crescimento de mortes de mulheres em decorrência de gênero chegou a 8% entre 2017 e 2018.

Especialistas e integrantes de movimentos feministas temem que o Projeto de Lei 3723/2019, que amplia as condições para porte e posse de armas, prestes a ser votado no plenário da Câmara dos Deputados, traga um cenário de recrudescimento dos casos de feminicídios. Isso porque em quase 90% dos casos as mortes de mulheres ocorreram no ambiente doméstico.

A discussão é mundial. Em Istambul, na Turquia, o artista plástico Vahit Tuna, conhecido como Yanköşe, criou um emblemático memorial do feminicídio, que pode ser alusivo a qualquer país. Em um prédio ele expôs 440 pares de sapatos femininos, um número nada aleatório. Este foi o total de mulheres mortas por seus maridos na Turquia, os casos conhecidos. O artista disse que teve a ideia de fazer o memorial a partir do número de mensagens sobre o problema nas mídias sociais. Yanköşe escolheu sapatos de salto alto como símbolo do poder feminino e da independência que ele deseja a todas as mulheres. Para o artista turco, somente políticas públicas podem mudar a realidade das mulheres de seu país.

Banco de medidas protetivas
O Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), através da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, espera colocar em funcionamento no mês de novembro o Banco Estadual de Medidas Protetivas de Urgência no Estado de Goiás (BEMP). Apresentado na quinta-feira (17), o sistema vai registrar as medidas protetivas de urgência concedidas em Goiás através das Leis nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) e nº 13.641/2019.

Para o responsável pela criação do sistema, diretor de Informática do TJ-GO, Anderson Yagi Costa, o BEMP vai permitir uma estatística exata das medidas protetivas em vigor. Ele acredita que o sistema irá oferecer mais segurança jurídica aos magistrados, delegados e às delegacias das mulheres.

 Foto: Reprodução/Facebook

Fonte: O Popular

Link: https://www.opopular.com.br/noticias/cidades/a-trag%C3%A9dia-do-feminic%C3%ADdio-em-4-dias-4-mulheres-s%C3%A3o-mortas-por-ex-companheiros-em-goi%C3%A1s-1.1913545



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Nascida de um ideal de aproximação da família policial, revivida de esforços coletivos e abnegada dedicação, criou-se a Associação da Polícia Civil…

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