Depois de quase dois anos e dois meses na prisão, o carpinteiro Varley Ramos Costa, de 54 anos, foi colocado em liberdade na tarde desta terça-feira (6). Na segunda-feira (5) ele foi absolvido da acusação de encomendar a morte do vigilante Luciano Carvalho Couto, assassinado em 15 de dezembro de 2005, aos 31 anos.
“Eu pedia a Deus todos os dias, pedia e orava a Deus que eu ia conseguir sair daqui, porque não é justo uma pessoa inocente ficar preso num lugar daquele ali, correndo risco de vida toda hora. Ali, naquele lugar, pode acontecer igual aconteceu em Altamira, no Pará, aquele massacre lá”, falou ao POPULAR no fim da tarde desta terça-feira, a poucos metros da entrada principal do Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia, onde aguardava a chegada de sua família para ir embora.
O carpinteiro nega qualquer relação com a morte de Luciano, em 2005. “Não tinha a mínima noção de que eu era um suposto assassino. Eu nunca fiz mal nem a um passarinho.”
O vigilante, conforme informado no julgamento, foi assassinado por volta das 21h30, na Rua Independência, no Setor Capuava, na capital. Dois homens teriam chegado numa moto em frente a casa dos pais de Luciano e o garupa desceu e chamou por ele. Quando se aproximou, recebeu os tiros. A prisão de Varley aconteceu mais de dez anos depois. Contra ele pesava a acusação de que fosse o mandante do crime, por Luciano ter tido um relacionamento com sua mulher, Suely Gomes Costa, de 48 anos. Crime que o carpinteiro nega.
Seu advogado, Mário Rocha, defendeu que não havia provas contra Varley e que nem o celular da vítima teria sido periciado no inquérito que corria para verificar eventual ligação originada nos Estados Unidos, onde Varley morava, supostamente para ameaçar Luciano. “Em 2017, quando ele foi preso, que ele tomou conhecimento (do mandado de prisão), até então ele não sabia”, disse Rocha.
A maioria do júri, na segunda-feira, entendeu que Varley não era culpado, o que resultou na sua soltura nesta terça-feira. “Nossa, foi maravilhoso. Eu chorei muito”, falou Varley sobre o julgamento.
O carpinteiro conta que morava nos Estados Unidos desde 2002. Em 2004 Suely teria se mudado para lá. Pouco antes dela ir, os dois filhos do casal já tinham se mudado para lá também. Tempo depois, Varley diz que todos voltaram a morar juntos, no estado de Pensilvânia.
O carpinteiro diz que se mudou para o país em busca de oportunidades. “A vida aqui estava difícil. Lá oferece uma maior chance para as pessoas que gostam de trabalhar”. Ele informa que quando foi estava separado de Suely e por lá chegou a ter outro relacionamento, mas que não soube do relacionamento da mulher com Luciano. “Eu tive conhecimento desse fato no dia 13 de junho de 2017”. Essa foi a data de uma audiência marcada após ele ser preso, em 25 de maio de 2017, pela imigração, por falta de documentação regular para morar nos EUA.
“Eu ia ser solto”. Varley diz que a expectativa era que o juiz fixasse uma fiança para ele pagar e o colocasse em liberdade, permitindo ele arrumar a documentação que fosse necessária para se regularizar. “Nessa época já tinha deixado a carpintaria. Eu e a Suely nós tínhamos uma pequena companhia de limpeza lá. Então ele ia me soltar esse dia”. Porém, Varley diz que a promotora local falou para o juiz que ele não poderia o soltar porque “era perigoso para a sociedade”. Segundo Varley, o juiz, que conduzia a audiência por videoconferência, teria questionado a promotora, que o enviou um fax. “De repente subiu um papelzinho branco na máquina do fax dele. Ele pegou o papel, leu e disse: ‘realmente eu não posso te soltar, porque você é risco para a sociedade americana’”, relata o carpinteiro, que diz, na sequência. ter questionado ao advogado que estava do seu lado a razão. “Foi onde que ele falou que eu era procurado pela Interpol, que eu era suspeito de ter mandado matar uma pessoa. Foi aí que eu descobri”. Nos EUA ele seguiu preso em função de mandado de prisão que já havia sido expedido contra ele, em Goiânia, desde esse dia.
Dos EUA para a CPP
Em outubro de 2018, deportado, primeiro passou 19 dias na triagem. Dia 23 de outubro do ano passado foi preso preventivamente na Casa de Prisão Provisória (CPP), no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia, onde seguiu até receber o alvará de soltura, por volta das 16 horas desta terça-feira.
Questionado sobre como será de agora em diante, ele diz que “só benção”. “Eu quero tentar esquecer isso daí. Eu sei que vai ser difícil, mas em nome de Jesus eu vou conseguir.”
Em relação ao tempo que passou preso, apesar de agora ter sido considerado inocente, ele afirma que “ainda não tem em mente” se vai buscar algum tipo de reparação. “Mas eu creio que alguém tem que pagar por isso. Porque eu sofri muito entendeu…”, falou emocionado.
O promotor Maurício Gonçalves de Camargos, que fez a acusação de Varley durante o julgamento, afirma que a família de Luciano não o procurou antes nem depois do julgamento. Ele afirma que ainda está avaliando se o Ministério Público de Goiás irá recorrer da decisão do júri . Por enquanto, os responsáveis pelos tiros em Luciano também não foram identificados.
4 perguntas para Varley Ramos Costa
Carpinteiro que foi sobre os cerca de dois anos na prisão
1- O que foi pior nesse tempo que passou preso?
A pior parte pra mim foi na triagem (em Goiânia). Porque a prisão nos Estados Unidos, apesar de ser uma prisão, não é igual aqui. Eu não ficava atrás das grades. Aqui eu fui direto para atrás das grades, no meio de muitas e muitas pessoas. No meio de assassino, traficante.
2- Como era lá nos EUA?
Lá as prisões são em blocos e ficam mais ou menos 170 pessoas, mas num bloco grande, com muito espaço. Lá não tem cela. Eu era o número 170. Ficavam 174 camas ‘encarreadinha’. Uma cama para cada preso. Sem grade.
3- Como que foi aqui, na triagem?
Quando eu cheguei os agentes queriam já cortar minha calça… Disseram que eu tinha que usar uma bermuda e camiseta branca, fizeram eu trocar de roupa, em frente a uma senhora que estava ali – acho que é agente. Fiquei muito constrangido num primeiro momento. Aí eles me levaram para dentro da cela. Quando eu cheguei na cela tinha uma pessoa só. Com mais ou menos meia hora que eu estava ali entraram mais 19 presos. Eles já começaram a gritar, fazer barulho, falavam que matavam, que queriam fumar droga…Eu sentei no canto da cama e fiquei quietinho assim, com medo. Eu pensei: nossa, hoje vai ser meu último dia. Hoje eu vou morrer. Porque eu nunca tinha visto situação como aquela.
4- E na CPP, o senhor ficava na cela com quantas pessoas?
Hoje estava numa cela que tinha ‘poucas pessoas’. Somos 36 pessoas. São oito camas, duas pessoas em cada cama. Aí a gente dorme no chão. Um de cabeça pra cá, outro de cabeça pra lá. Essas ‘pelucinhas’ (espécie de cobertor) que eles levam para a gente cobrir, a gente improvisa e faz uma rede daquilo e amarra numa bigorna lá no fundo da cela. E ali não dorme, passa a noite. É terrível. Isso vai marcar minha vida pra sempre.
HISTÓRICO DA PRISÃO
Ao todo Varley Costa passou quase dois anos e dois meses preso sob acusação de ser o mandante do assassinato de Luciano Couto
25 DE MAIO DE 2017
Preso na Pensilvânia (EUA) pela imigração por estar sem documentação regular
13 DE JUNHO DE 2017
Audiência em que o pagamento de fiança e sua soltura era esperada, porém, Varley soube que era procurado pela Interpol por suspeita de ter mandado matar uma pessoa em Goiânia em dezembro de 2005. Seguiu detido lá em função de mandado de prisão que já havia sido expedido por juiz da capital.
23 DE OUTUBRO DE 2018
Foi transferido para Goiânia e iniciou cumprir prisão preventiva na Casa de Prisão Provisória (CPP)
5 DE AGOSTO DE 2019
Julgamento em Goiânia onde foi absolvido pela maioria dos jurados
6 DE AGOSTO DE 2019
Alvará solicitando a soltura de Varley chega à CPP e ele sai da prisão
Foto: André Costa