Titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam), Ana Elisa Gomes, reconhece no aumento de casos de feminicídios em Goiás um fenômeno social que resulta da banalização da violência. “Vivemos um momento de naturalização do ato violento. Fala-se muito de violência, aceita-se muita violência e muitas pessoas encontram na violência uma resposta. Quem sofre muito nesse contexto são os grupos mais vulneráveis, e aí entram as mulheres”, diz. A situação preocupa a delegada que, há alguns anos acompanha de perto a realidade de mulheres que sofrem agressões dos companheiros na capital.

Em Goiás, ela destaca o machismo facilmente detectável na sociedade como um elemento que fortalece pensamentos e ações que fundamentam os atos violentos. “Ainda somos muito machistas. Somos muito mal educados, e não só culturalmente, mas socialmente também. A gente não sabe se comportar. Somos uma sociedade machista. De homens e mulheres machistas”, expressa ela, que não deixa de frisar também a questão da impunidade. Para Ana Elisa, isso é algo que precisa ser melhor trabalhado para, de um lado, desencorajar o agressor e possível assassino, dando-lhe a certeza de que será punido e, de outro, encorajar a mulher a procurar ajuda e se sentir à vontade para denunciar.

O que acontece, hoje, segundo a delegada é que ainda existe uma quantidade expressiva de vítimas de agressão que não procuram a polícia. “O mais comum, por exemplo, é você encontrar mulheres que foram mortas por seus parceiros e que nunca denunciaram”, lamenta. O que acontece hoje, pelo menos em Goiânia, de acordo com ele, é que o Judiciário tem sido eficiente na concessão de medidas protetivas de urgência. Por outro lado, a conclusão do processo, com a sentença da Justiça, chega a demorar anos e essa morosidade é algo que precisa ser combatida.

“O Estado precisa se posicionar mais, instruir mais a população e investir mais na estrutura, ter mais delegacias, um efetivo maior. O que precisa mesmo é uma posição mais expressiva do Estado para combater esses números. Vamos ter que começar a falar de gênero nas escolas. As pessoas tem que começar a entender que precisamos desmistificar algumas coisas nas escolas, senão teremos para sempre a mulher treinada para cuidar das coisas de casa e o homem para todo o resto”, defende.

Recusa da separação

Nos casos recentes de feminicídios registrados em Goiás, a recusa ou o posicionamento contrário à separação, que é vontade da mulher, esteve na entrelinha dos assassinatos cometidos pelos parceiros. Em um caso registrado no dia 1º de setembro, em Goianésia, a 198 quilômetros de Goiânia, o marido, o empresário Hermes Peixoto de Melo, de 65 anos, matou a esposa à facadas após descobrir que ela deseja se divorciar e, ele, além de ser contra a vontade da parceira, chegou a escrever uma carta dizendo que não gostaria de dividir os bens conquistados pelo casal, em caso de separação. Após matar Maria das Graças dos Santos Melo, de 56 anos, Hermes se matou, cortando os pulsos.

Os corpos foram encontrados pelo filho do casal, que mora na casa que fica ao lado de onde era a residência dos pais. No mesmo dia, um outro caso, em São Luis de Montes Belos, também teve a separação como um dos motivos.

A jovem Karyta Augusto Rodrigues, de 18 anos, foi morta a facadas pelo parceiro no quarto do casal. Ela tentou fugir, mas não resistiu.