Uma auditoria em andamento identificou nas estatísticas da Secretaria de Segurança Pública de Goiás (SSP-GO) até o momento ao menos 40 registros de homicídios notificados de forma errada em 2018, de acordo com o titular da pasta Rodney Miranda nesta segunda-feira (27). As tipificações foram colocadas como: encontro de cadáver ou morte a esclarecer (natureza criminal que já não existe), conforme afirma o secretário. Outras 250 mortes ainda estão sob análise. “Encontramos muita inconsistência”, disse.
Com esta informação, o número registrado no ano de 2018 passaria de 2.104 homicídios para 2.144. Se forem confirmados ainda os outros casos que estão em análise, o valor sobe para 2.394 homicídios. Rodney Miranda mudou o discurso ao explicar o motivo desta diferença nos números de homicídio da pasta. No dia 7 de novembro do ano passado, o secretário afirmou que suspeitava de manipulação de dados por interesses políticos (leia mais abaixo).
O problema do registro de natureza equivocada, entretanto, pode não ser algo pontual que se limita a 2018. Há suspeita que tais números registrados de forma errônea sejam encontrados em outros anos, inclusive no ano passado. “Estamos fazendo primeiro 2018, repassando 2019 que é a nossa obrigação e a partir daí vamos avançar até 2017 e 2016 para concluir este trabalho”, disse.
Reportagem do POPULAR de setembro de 2017 já havia identificado um duplo homicídio que estava marcado de forma errada na estatística da SSP como “morte a esclarecer”. Na época, o número de homicídios mostrava redução, enquanto o de “morte a esclarecer” aumentava.
O então titular da pasta, Ricardo Balestreri, acabou com a tipificação “morte a esclarecer”, que deveria ser substituída por “encontro de cadáver” ou “encontro de ossada”. Além disso, foi anunciada uma auditoria que seria feita em todos os casos marcados como a esclarecer, para que eles fossem reclassificados com a tipificação orientada pela gestão de Balestreri. No entanto, esta auditoria não foi concluída.
A reportagem observou uma ocorrência registrada em Luziânia, no dia 26 de novembro do ano passado, em que a vítima foi encontrada com a cabeça dentro de um saco e o corpo enrolado em uma rede, e a natureza criminal registrada foi “encontro de cadáver”. Em outro caso, também em novembro, no município de Inaciolândia, a PM relatava na ocorrência que a vítima havia sido encontrada encostada na parede “supostamente se esquivando de possível agressão”, e que no chão havia mancha escura, possivelmente sangue.
O POPULAR obteve dados de homicídio e encontro de cadáver de 2018 até setembro de 2019. Os números mostram que em todos os meses existe um alto número da natureza criminal. De janeiro a setembro de 2018, por exemplo, a média seria de 33 encontros de cadáver por mês. No ano passado, a média seria de 22 por mês. De janeiro a março de 2019, houve uma auditoria na natureza criminal, o que reduziu o número.
Para solucionar o problema envolvendo registro de encontro de cadáver, Rodney Miranda aponta que a SSP está trabalhando uma forma de simplificar o Registro Integrado (RAI), documento que descreve a ocorrência. Além disso, adotará novas medidas. “Dentro de dois a três meses haverá também uma requalificação de pessoas que fazem os registros, para não permitir mais este tipo de erro, que dificulta apresentação de dados, assim como para aferirmos nossas metas”, frisa.
Explicação
Em novembro do ano passado, ao falar sobre a suposta identificação de dados manipulados, Rodney Miranda afirmou: “Acredito que seja para maquiar os dados, talvez até com proveito eleitoral”. Agora, ele chamou o que houve de “erro”. “Estamos vendo que os policiais e operadores estão com dificuldade de preencher alguma coisa de homicídio, dada à complexidade da informação, então vamos limitar as informações para aquelas que forem úteis”, diz.
A reportagem apurou que, na verdade, o que teria acontecido no ano passado seria um erro na hora de filtrar os dados de homicídio de 2018. No momento de observar e divulgar o comparativo de janeiro a setembro de 2018 com o mesmo período de 2019, teriam sido filtradas outras ocorrências envolvendo morte, como latrocínio e lesão corporal seguida de morte. Assim, teriam sido relatados mais homicídios em 2018 do que de fato existiram, mostrando uma redução de um ano para o outro maior do que a real.
Quando o erro foi apontado por servidores, a SSP resolveu abrir um inquérito, que está na Delegacia Estadual de Investigações de Homicídios (DIH). Não foi divulgado, ainda, o resultado do inquérito, e as estatísticas criminais continuam fora do ar no site da secretaria, desde o dia 21 de outubro. Rodney afirma que os dados do site devem voltar dentro de cinco dias. “Vamos colocar no ar no dia 1º de fevereiro com o que já foi arrumado e estes outros números quando este trabalho estiver concluído também será colocado, mas é um trabalho longo”, afirma.
A reportagem tentou contato com o titular da pasta em 2018, Roberto Balestreli, mas as ligações não foram atendidas e as mensagens de texto também não foram respondidas.
Balanço revela queda em crimes
Apesar de anunciar que os dados de 2018 não seriam precisos, a Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP) afirmou que o comparativo revela queda nos crimes violentos de janeiro a dezembro de 2019 (veja quadro). Entre as dez categorias que tiveram redução, roubos a instituições financeiras foi a que teve a variação mais expressiva: 83,33%. Em segundo lugar, roubos de carga caíram para menos da metade, redução de 59,82%. Em seguida, aparecem os casos de roubo a veículos (-57,89%).
Apesar do retorno no site, que deve ocorrer em fevereiro, os dados de mortos em ação registrada como confronto contra a polícia não serão divulgados, de acordo com o secretário de Segurança Pública de Goiás (SSP-GO), Rodney Miranda. “Nós temos este número e ele é reservado, vamos compartilhar com o Judiciário, que é nossa obrigação”, afirmou.
Ao ser questionado sobre o motivo, ele fala inicialmente sobre a portaria 750/2016, do ex-governador José Eliton, na época secretário de Segurança Pública, afirmando que o documento proíbe o repasse da informação. Entretanto, mesmo com a portaria, que fala sobre “assuntos sigilosos produzidos e custodiados pela Secretaria da Segurança Pública”, a antiga gestão já divulgou dados de mortos em ação registrada como confronto. Além disso, em abril do ano passado, já com o secretário Rodney Miranda, a SSP repassou número de mortos em intervenção policial à reportagem.
Ao ter as informações apontadas, Rodney afirmou que estuda possíveis limitações impostas pela Lei de Abuso de Autoridade. A referida lei, entretanto, não proíbe a divulgação de nenhum tipo de estatística.
O secretário afirmou que continuará com o modelo de gestão e vai focar em alguns tipos de delito. “Principalmente de roubos que é o que mais aflige as pessoas, depois de homicídios”, disse.
Solicitação
O POPULAR pediu à SSP-GO os números absolutos de crimes violentos, no entanto, a pasta não forneceu. Também foram solicitados os demais tipos de crimes notificados, mas a assessoria também não os enviou.
O governador de Goiás, Ronaldo Caiado, que também estava na apresentação de ontem afirmou que os índices demonstram uma melhoria no trabalho da SSP e destacou que a redução de crimes ocorreu mesmo sem aumentar o efetivo de policiais. “Antes as pessoas ficavam quase que trancafiadas dentro de suas casas, não podiam usar caminhonete em Goiás e não contratei nenhum policial a mais, pelo contrário, muitos até se aposentaram e sem ampliar a frota conseguimos percentuais como estes em 2019”, enfatizou.
Foto: Fábio Lima
Fonte: Jornal O Popular