Causos, contos e prosas

A Morta Viva

Em hospitais acontecem casos que ao ser contado para pessoas de outras profissões causa arrepios. Hospital público então tem história cabeluda de arrepiar até médico calejado de milagres. O HUGO (hospital de urgências de Goiânia) tem entre seus causos mais recentes, um deste ano de 2.010 acontecido no plantão do policial Vanvan Keikei, do posto da polícia civil. Uma mulher deu entrada na emergência vitima de mal súbito, envolvida numa briga familiar. Tinhas sinais dumas pancadas e rastros de faca. Quando o médico residente a viu, olhou com a atenção voltada para uma maca onde um jovem duns vinte anos pedia socorro para sua perna partida numa fratura exposta. O paciente vizinho falou o nome do médico e depois disse ter ido à festa dele quando passou no vestibular de medicina. Era amigo duma ex-namorada do facultativo. Dr. Ricardo examinou rapidamente a mulher desfalecida e quando olhava o fundo dos olhos dela, aconteceu um estrondo de trovão parecido com terremoto e ele passou-a para frente como morta.

 

A ficha da morta chegou ao policial civil Keikei e ele avisou aos parentes nominados no prontuário, avisando para providenciar funerária e pegar o presunto lá no IML da polícia técnica. Na mesma ligeireza ligou para a delegacia de homicídio e pediu o rabecão para fazer mais um carreto. A noite era de chuva e se acalmasse mais ia tirar uma boa soneca no sofazinho da sala dos agentes, ao lado do telefone. Tudo pronto, noite calma para a polícia... se recolheu. Devia ser meia noite daquela sexta feira quando a morta acordou deitada na pedra fria do necrotério. A seu lado dois cadáveres aguardavam transporte para alguma funerária. Para complicar um caixão roxo estava exposto, porque os papa defuntos iam arrumar o cadáver. O cheiro de morte a embriagou de medo. No seu tornozelo havia uma fita indevassável falando o nome dela, como defunto dizendo inclusive como morreu. A mulher desmaiou, mas como não tinha ninguém para amparar o chilique, saiu do fricote e ficou de pé.

 

A roupa usada por ela era de cadáver recente e foi direto ao oitavo distrito ali pertinho denunciar o cabra que a esfaqueou mais cedo. Ao entrar naqueles trajes de quem vai para o caminho do purgatório, para pegar ficha pro céu ou pro inferno o plantonista da hora deu no trabuco, não ia correr, era cabra macho, mas sim escorar o presunto ambulante na bala. Por um nadica de nada não recheou a mulher de chumbo quente, só não o fez, porque ela parou em distância prudente. Não devia ser assombração, senão tinha avançado. Mundico, policial das antigas, a recebeu no plantão com cautela, mandou falar de longe, avisando sobre a delegada macumbeira que deu muito plantão naquele DP não trabalhar mais lá. A morta se explicou. Com o furdunço os demais plantonistas acordaram e vieram ver o banzeiro.

 

A coisa estava mal explicada, com uma defunta, fugida do IML do HUGO querendo registrar BO no DP. Voltaram com ela ao posto policial do hospital e foi um Deus nos acuda, porque os parentes vieram para providenciar a defuntaçao e vendo a morta com a polícia, os mais frescos desmaiaram, aqueles mais espertos fugiram no rumo da mata do Parque Areião, sendo preciso ser buscado por cães de caça. Por sorte um dos parentes dela era pai de santo e começou uns gungunados sem fim, falando coisas de macumbaria: os irmãos do além iam levar a alma penada para a escola de luz. A morta virou uma fera e quase estrangulou o pai de santo, só não o fez pela intervenção da polícia. Quando Keikei acordou e viu a morta deixada na pedra do IML, apanhou um rosário de alho e uma cruz de pau santo começando a rezar, provavelmente estava variando, não tinha acordado direito.

 

A mulher veio para o lado dele e o homem não resistiu, pulando as cancelas internas indo se abrigar nos braços do Julião, sujeito de corpo fechado, acostumado a tirar esprito dos outros. De lá onde estava, gritava com os policiais, que aquilo era uma fraude e o Dr. Ricardo tinha falado daquela mulher estar morta, os colegas não deviam discutir com quem sabe, afinal o médico já havia estudado mais de oito anos, devia conhecer do riscado. A supervisão da polícia civil foi chamada para controlar a situação e o agente Carlos veio cheio de razão. Ao examinar a ocorrência, confirmou a morta com vida e capaz de ir para casa, mandou liberá-la. Depois destes fatos o tal médico foi chamado pela direção do hospital, mas ele saiu-se muito bem, é um fervoroso evangélico e alegou o fato a um milagre, porque quando viu a mulher ela realmente estava morta. Se for necessário, entrega-lhe pessoalmente o atestado de óbito. A mulher não quer nem passar perto do HUGO sabe que se entrar lá pode ser novamente confundida com defunta, melhor não arriscar.

 

Pois é!

 

Delegado Eurípedes III

 

Ap. de Gyn, GO, 21OUT10

 

 

EURIPEDES DA SILVA nasceu em Colômbia – SP, em abril de 50, casado, tendo quatro filhos adultos e seis netos. Colou grau em 1.979, em direito pela UFG. Ingressou na Polícia Militar em 1.972, se graduando sargento. Foi aprovado em concurso para delegado na Policia Civil do Estado de Goiás, em 1.983. Atuou como delegado de policia  nas cidades de Itumbiara, Goiatuba e em Goiânia, nas delegacias do consumidor, homicídios, dema e outras, além de ser corregedor Geral da SSP durante três anos. Publicou os romances policiais AR-15 A Nova Lei, Emboscada a Política a Serviço do Crime, Noite Macabra, Operação Avestruz com o pseudônimo Delegado Euripedes III. Está em fase de prelo para publicação ainda este ano os romances policiais “MISSIL” e “Macumba – O terreiro da morte”. E-mail euripedes3@ig.com.bcpr Ouça na Rádio Mil FM 102,9 o programa Ronda Policial e o quadro Delegacia de contos às 3ª e 6ª feiras as 7:00 Conheça outras histórias lendo os sites www.policiacivil.go.gov ou www.delegaciadecontos.com.br